Eu sou figueirense de um tempo em que o Figueirense era um clube de futebol. Sim, um clube, que vivia de seus sócios e das algumas outras transações menores. O Figueirense era a casa da gente. Quando entrávamos pelos portões com nossas bandeiras e camisas alvinegras, a gente se encontrava com os “irmãos” no amor. E as tardes de futebol nas arquibancadas eram de alegria, gritaria e cerveja. Uma festa, mesmo na derrota. O Figueirense era clube. Sabíamos que era preciso ir ao jogo, pagar o ingresso, para ajudar o clube a ir para frente.
Até que então chegaram os “homens de empresa” com o papinho mosca de que o clube precisava se modernizar, levar mais a sério o “negócio” futebol. E que a única maneira era deixar de ser uma associação sem fins lucrativos e virar uma empresa. Seguiam a onda criada no Brasil todo que já engolia alguns outros clubes pelo país, a partir de uma proposta do deputado Pedro Paulo, do DEM do Rio de Janeiro. Virar empresa, virar negócio, bussines, ganhar dinheiro.
Então, em 2017, o Figueirense que somava algumas dívidas, entregou o clube para uma empresa administrar, a Elefhant (olha o nome da coisa, elefhant). E lá se foi o nosso clube para o cassino do capital, dirigido por gente não muito séria, já que em menos de um ano o contrato com a tal empresa foi rescindido. Não sem antes ela afundar ainda mais o Figueirense deixando, inclusive, de pagar os salários dos jogadores, que obviamente entraram na justiça. Daí pra cá só ladeira abaixo. Os empresários foram se sucedendo, contraindo mais dívidas. E nesse meio tempo fazendo campanhas junto aos seus sócios e aficionados para arrecadar dinheiro. E a gente dando dinheiro feito bobo para ver o clube afundar mais ainda. Até nosso estádio está penhorado, podendo a qualquer momento ser tirado do clube. Os números estão aí, a dívida passa dos 200 milhões. Como pagar? Vendendo o patrimônio construído com o sangue e o amor dos torcedores? Hoje, para nossa tristeza, não há mais clube. Não há sequer futebol. Cá estamos na série C, lanterna das lanternas. Aquele trabalho de clube, de criar a gurizada local, não existe. Os jogadores não carregam o peso da velha figueira, desconhecem a história. O Figueirense é só uma empresa onde eles vendem a força de trabalho. Não os culpo, óbvio. A responsabilidade não está neles. Está nos vendilhões, nos que destruíram - e seguem destruindo - o clube. E precisamos desvelar essa gente, dar nome e sobrenome.
A empresa Figueirense fez um acordo de recuperação judicial, mas a coisa anda capengando. Se o clube não pagar, corremos o risco de perder o estádio Orlando Scarpelli, uma espécie de joia no Estreito, por conta de sua localização estratégica. Numa cidade onde quem manda é bonde do cimento, imaginem a fome dos abutres...
Enquanto isso, vamos perdendo nosso furacão, que nem ventinho mais consegue ser. E a maior dor é que time a gente não troca, não se abandona. É uma traição impossível, como explica Nilso Ouriques no livro que leva o mesmo nome. Por isso, a cada jogo, a gente fica esperando que aconteça um milagre, o qual, racionalmente, sabemos que não virá. Mas, quem pode controlar o amor? O Figueira se esfarela, mas vive em nosso coração.
De minha parte, tenho ódio, ódio puro, contra os ceifadores da nossa paixão.