quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Florianópolis e a Airbnb



Na foto: Ammar Aziz, Gerente de Políticas Públicas do Airbnb no Brasil; Topázio Silveira Neto, Prefeito de Florianópolis; Fiamma Zarife, Diretora Geral do Airbnb para América do Sul e Juliano Richter Pires, Secretário de Turismo, Desenvolvimento Econômico e Inovação de Florianópolis. Créditos: Allan Carvalho/Prefeitura Municipal de Florianópolis.

A Prefeitura divulgou com pompa e especificidades foto do prefeito de Florianópolis com representantes da plataforma Airbnb anunciando uma parceria de compartilhamento de dados para "fomentar o turismo". É isso num momento em que uma cidade explode em novas construções dos chamados “estúdios”, que nada mais são do que pequeníssimos apartamentos feitos unicamente para especulação. Se até então a plataforma do Airbnb organizava aluguéis de curta temporada juntando proprietários de um imóvel interessado em ganhar um troquinho, agora já existem empreendimentos inteiros feitos especialmente para servirem deste tipo de aluguel. E, é claro, o que é bom para alguns acaba sendo um inferno para grandes levas de gente. 

O primeiro problema causado por esta plataforma de aluguel de curta duração é que começa a faltar imóveis para aluguel normal, ou seja, para pessoas ou famílias morarem por longos períodos. Os donos dos imóveis obviamente obtêm muito mais lucro alugando na lógica da alta rotatividade, evitando assim problemas com inquilinos. Mas, as pessoas que precisam morar num lugar acabam ficando sem alternativas porque, ou não encontram imóveis ou têm de pagar valores altos. Para se ter uma ideia há estúdios sendo personalizados no bairro Trindade, próximo à universidade, por 3.600 reais ao mês, um valor exorbitante numa quitinete de 30 metros quadrados. 

Cidades turísticas são as que mais sofrem com essa explosão de aluguel de curta duração e algumas delas, principalmente na Europa, já estão proibindo a ação da plataforma. Ocorre que o Airbnb não se configura uma rede imobiliária ou hoteleira, ela vende a tecnologia, a plataforma. Sendo assim a empresa não paga qualquer imposto como o fazer os hotéis normais ou as imobiliárias. Então, para ela, tudo é lucro. Isso levou o movimento dos hoteleiros a reivindicar uma regulamentação ou mesmo a decisão. Paris, Londres e Barcelona estão na lista das cidades que proibiram este tipo de plataforma depois de verem os moradores sendo praticamente expulsos das cidades por conta da alta dos aluguéis. No caso do Brasil, que é um país dependente e subdesenvolvido, o problema fica ainda maior porque o déficit habitacional já é bastante elevado. 

Em Florianópolis, onde o bonde do cimento avança, o déficit é de 20 mil moradias e todos os dias as pessoas se deslocam para as cidades vizinhas em busca de aluguéis mais baratos, pois é quase impossível viver na capital. Considerando que a média dos trabalhadores está em 3.600 reais fica impraticável morar e comer, visto que como já foi aqui, uma quitinete custa isso por mês. Nos bairros praieiros, principalmente no sul da ilha, o deserto de famílias já é visível. Com os prédios subindo na beira da praia, todos eles voltados para especulação, viver por ali ficaram impraticáveis, ainda mais considerando que a prefeitura não oferece qualquer mudança na estrutura viária, de saúde, de água ou luz. Isso significa um surto desproporcional e muitos incômodos para os moradores. 

Aqueles proprietários que usam suas próprias casas para alugar no verão ficam maravilhados com a possibilidade de deixar tudo por conta de uma plataforma gigante como o Airbnb, mas no longo prazo acabarão por serem também responsáveis ​​pela destruição dos bairros como espaço de moradia. As casas hoje mudaram para investimentos financeiros e toda a lógica comunitária está mudando. No longo prazo esse aluguel orgânico, feito só na temporada, já não servirá mais e o turista vai preferir a comodidade dos prédios preparados para esse tipo de negócio. Ganha a plataforma multinacional e perde o morador local. O déficit habitacional cresce e o abismo social se aprofunda. O fim da história já sabemos de cor.

Há que compensar essa lógica e principalmente há que orientar e informar os moradores das cidades sobre essa prática predadora, típica da capital que só pensa em se expandir sem qualquer preocupação com as pessoas. 

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A percepção da notícia em Florianópolis




Por solicitação do vereador Leonel Camasão (Psol) aconteceu ontem (21.08) uma Audiência Pública, na Comissão de Educação da Câmara, para discutir os resultados de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de práticas para o jornalismo local, vinculado às Pós Graduação dos cursos de Jornalismo e Sociologia Política da UFSC. A pesquisa, apresentada pela professora Andressa Dancosky, traz dados importantes sobre como a população de Florianópolis se conecta com o jornalismo local, analisando hábitos, interesses, sustentabilidade, engajamento e participação. 

A proposta de uma discussão destes dados surgiu principalmente pelo fato de a pesquisa ter apontado que o sítio mais procurado pela população de Florianópolis para se informar sobre a realidade local ter sido o “Floripa Milgraus”, uma página que se autodenomina de “humor manezinho”.  Este dado mostra de maneira cristalina o quanto a cidade está abandonada pelos meios de comunicação, que não priorizam a notícia local. Isso acaba provocando a migração do público para as redes sociais, nas quais vão encontrando informações que aparentemente lhes dizem respeito. O Floripa Milgraus, apesar de ser uma página de humor apresenta cotidianamente informações sobre acidentes, casos policiais e situações citadinas, aparecendo assim como uma fonte de informação do local. 

A audiência pública tinha como objetivo colocar os vereadores da Comissão de Educação a par dessas informações para então propor alternativas no sentido de garantir uma informação qualificada para a cidade. Mas, como sempre acontece quando um tema é proposto pela oposição, nenhum vereador da comissão apareceu. Ainda assim, o vereador Camasão assumiu a coordenação da audiência e o trabalho seguiu. Na plenária estavam muitos jornalistas e representantes de projetos de comunicação comunitária, independente e popular, além da representação da UFECO, ACI e Sindicato dos Jornalistas.  

A pesquisa apresentada pela professora Andressa ouviu 604 pessoas entre maio e junho de 2024. Destas 69,7% se identificaram como brancas, 27,4% como negras, 1,2% como indígenas e 0,5% como amarelas. 33,3% ganham entre três e cinco salários mínimos, 21,4% entre um e dois salários e 17,1% com renda superior a dez salários. 

Para os entrevistados o principal motivo que os leva à busca de notícias é o interesse pessoal e em segundo plano o interesse social. Sobre os temas que mais interessam, as respostas mostraram claramente que, pelo menos no que diz respeito à mídia tradicional, há um abismo. Os temas mais buscados – e não encontrados – foram educação, cidadania, prestação de serviços, meio ambiente, saúde e alimentação. O tema “celebridades e entretenimento” foi o último colocado.  

A pesquisa também aponta que a principal fonte de informação são as redes sociais (55,3%), mas a televisão ainda tem certo poder (25,3). E 79,5% dos entrevistados consideram jornais e jornalistas as fontes mais confiáveis. Pagar para ler notícias foi considerado o principal motivo para desistir (73,5%). Vai aí uma boa dica para os sítios de notícias que escondem notícias só para assinantes. 

Os dados revelados não apresentam muita novidade, pelo menos para quem está atuando no campo do jornalismo comunitário e popular. Estas sempre foram percepções da empiria, por isso é bom ver que uma pesquisa realizada com parâmetros científicos reforça o que já se sabia. A experiência mostra que as pessoas querem saber das coisas locais, elas tem sede e fome de notícias que digam respeito aos seus problemas mais prosaicos, por isso talvez que páginas como a do Floripa Milgraus  seja bem vista, porque ali assomam questões como trânsito, segurança e esporte. 

Outra questão importante para problematizar é a de que esse jornalismo que a população quer, plasmado na pesquisa, já existe. Ele é praticado em Florianópolis em algumas experiências como jornais de bairro, a Rádio Campeche, o Desacato, o Catarinas, a Pobres e Nojentas, ente outros. Ocorre que fazer reportagens e manter um sítio atualizado de notícias não é coisa barata. Aí entra o financiamento. Muitos destes veículos que já existem patinam na falta de recursos, e acabam produzindo menos do que poderiam. Por isso a mídia popular e independente tem feito movimentos no sentido de também garantir para si os recursos públicos que migram em milhões para a mídia comercial. O governo do estado, por exemplo, dispendeu esse ano, até agora, 20 milhões de reais para apenas dois grupos de comunicação que têm rádio, televisão, portal e jornal impresso: NSC, afiliada da Globo, e ND, afiliada da Record. A Assembleia Legislativa transferiu para Acaert (entidade dos patrões do rádio) cerca de 15 milhões para reproduzir seus programas. A pergunta é: por que então não há repasse para as outras mídias? Essa é uma batalha antiga que não avança em Santa Catarina.

O mais impactante da pesquisa é que ela mostra de maneira luminosa que o jornalismo praticado hoje na mídia comercial não interessa e não serve à maioria da população. Isso muito provavelmente explique o porquê da página do prefeito da cidade ser tão vista e seguida. Ainda que recheada de enganos e manipulações, a página fala da vida cotidiana, do parquinho, da praia, das coisas da vida real, da cidade real, das pessoas reais. Na verdade, a comunicação do Topázio segue muito mais as dicas da realidade do que até mesmo alguns espaços ditos de esquerda, que acabam distribuindo informações muito particularizadas e sem interesse imediato para o trabalhador.

É fato que a disputa no campo comunicacional sempre existiu e sempre foi muito desigual para os veículos de cunho popular, independente ou comunitário. E, agora, com o advento das redes sociais, as pessoas acabam buscando aquilo que tem mais a ver com seus interesses pessoais, como aponta a pesquisa. Isso também explica o sucesso da página do deputado Sérgio Guimarães – que foi repórter e se apresenta assim na sua página do Instagram – porque ali se encontra muito mais notícias da cidade, ainda que sob o seu viés político singular, do que em outros espaços da mídia popular. 

A pesquisa deu boas pistas para o pessoal da política, dos movimentos, dos sindicatos, dos meios populares. Ocorre que no caso dos veículos populares o quesito financiamento ainda é um nó cego. Uma mídia dos trabalhadores deveria ser financiada pelos próprios trabalhadores, mas, muitas vezes há que se recorrer a financiamento que podem, inclusive, ir contra o propósito de soberania popular, como são os projetos financiados por fundações estadunidenses ou outras instituições forâneas, que logicamente têm seus interesses, que não são os nossos. 

Por fim, a plenária apontou alguns encaminhamentos que foram entregues ao vereador Camasão que, ainda que ele não seja da comissão de educação, deverá encaminhar o relatório final. Para os jornalistas que lá estiveram fica a esperança de algo se avance, ainda que essa novela do financiamento seja bem antiga e muitos passos já tenham sido dados, sem que os projetos tenham realmente saído do lugar. 

O que fica de bom é a certeza de que o jornalismo ainda é algo que realmente interessa à população e que o jornalista ainda goza de credibilidade. O que reforça ainda mais a responsabilidade do nosso fazer. Reportar o local e mirar o universal é a velha lição de Adelmo Genro Filho (teórico do jornalismo). Fazer isso é o nosso feijão com arroz, o que não impede que seja um feijão com arroz cheio de bossa.



terça-feira, 19 de agosto de 2025

O jornalismo nos tempos do "Eu sozinho"



Foto: criação Kristina Alexanderson - CC-by-sa

Lembro quando até bem pouco tempo fazíamos protesto nas ruas contra o monopólio de comunicação da Rede Globo. A empresa abocanhava Tvs, rádios, revistas. E era muito poder. Fazíamos denúncias sobre essa acumulação de veículos estar burlando a Constituição, mas isso sempre deu em nada, nunca conseguimos sequer arranhar o processo de renovação das outorgas. Uma das alternativas que tínhamos era constituir veículos de comunicação que pudessem chegar às pessoas, contrapondo as informações, no mais das vezes manipuladas pelas grandes empresas de comunicação. Uma luta bem desigual visto que jornais, rádios e outras formas de comunicação da esquerda sempre tiveram pequeno alcance. Disputar com a capacidade de alcance da Globo, Record e SBT era algo brutal. Mas, resistíamos.

O tempo passou e a coisa ficou ainda pior. Chegaram as big techs, com um poder muito mais extraordinário que o da Globo. Oligopólio mundial, alcance infinito e imediato. Além disso, detêm total controle sobre quem pode operar cada uma das chamadas “redes sociais” que disponibilizam.  Criadas para democratizar a comunicação, elas acabam aprofundando ainda mais o abismo. E, se no começo pareciam permitir que todas as vozes ecoassem, agora controlam o que se vê a partir de um algoritmo. Um robô decide se uma postagem nossa pode ou não circular. Estamos presos na teia. E elas entraram na vida das pessoas de tal maneira que hoje, se uma das plataformas sai do ar, ocorre um caos mundial, como se o fluxo da comunicação não pudesse mais viver sem elas. 

No campo da esquerda a resposta ao violento controle tem sido bem pífia, ou ainda pior, de aceitação desta lógica. Há quem proponha a taxação das big techs, ou uma lei que controle em alguma medida os conteúdos veiculados, mas isso é absolutamente impossível. Mesmo que haja taxação e lei elas seguirão fazendo o que fazem que é disseminar a ideologia do capital. A mercadoria na sua forma pura, sendo semeada o tempo todo e sem controle algum. Mercadorias materiais e imateriais, ideias, ideologias, só o que interessa aos donos do poder. O que aparece nas nossas linhas de tempo é o que o algoritmo dita. E o algoritmo é controlado pelos graúdos.

No campo do jornalismo a situação só piora. Se antes, com o monopólios das três gigantes (Globo, SBT e Record) a informação era manipulada, havia sempre alguma chance de algo escapar, bem como os veículos independentes podiam contrapor os fatos, com algum alcance. Jornais sindicais, por exemplo, tinham boas tiragens e chegavam aos trabalhadores. Hoje não. Vivemos o tempo do “jornalismo de pessoa". Os jornais, comerciais ou não, estão quase extintos e os que existem trabalham com pautas policiais (à exaustão) e temas amenos que não constituem a possibilidade do conhecimento ou da reflexão sobre os fatos. E justamente por isso, os jornalistas que ainda atuam fazendo jornalismo acabam tendo de publicar nos seus blogs ou páginas pessoais nas plataformas ditas “sociais”. Isso é ruim para o jornalista que fica sozinho, exposto, sem qualquer anteparo e é ruim para o jornalismo, pois se o jornalista em questão não tem um número massivo de seguidores, sua voz fica totalmente obscurecida. É praticamente a mesma resistência frágil que tínhamos nos velhos tempos, só que sem o suporte do projeto coletivo, o que torna tudo mais difícil. E se o jornalista não conseguir abocanhar seguidores, o trabalho fica invisível.

Além disso, o fenômeno das redes sociais instituiu a figura do “influenciador”, que já virou até profissão. É a pessoa que domina o processo de comunicação com a massa, basta que tenha milhões de seguidores. Isso vale para quem faz dancinha, vende produtos, mostra o corpo ou mesmo repassa ideias. Vide as estranhíssimas criaturas do universo bolsonarista que divulgam coisas absurdas, amealhando milhares de seguidores. Assim, a mediação do jornalista sobre os fatos parece não ser mais necessária. Uma pessoa com um microfone pode informar que os extraterrestres estão chegando, que o golpe vem em 72 horas ou qualquer outra coisa, sem precisar mostrar qualquer comprovação. 

As pessoas consomem a informação diretamente das fontes que elegem como “confiáveis”, ainda que apresentem grotescas falsificações ou realidades forjadas na IA. Se olharmos com detalhe não se diferencia muito do que sempre foi, já que uma informação que aparecia no jornal ou na TV também vinha carregada de ideologia ou manipulação. E também tinha mais poder quem tinha mais audiência, como era o caso da Globo, cujo sinal conseguia chegar limpinho nos confins do país. 

A diferença é que hoje, pelo menos no campo do jornalismo, a informação virou um produto do “eu sozinho”.  Há que se confiar na pessoa, no jornalista que atua em solidão, e este precisa disputar o coração e as mentes num universo absolutamente desfavorável e sem qualquer controle. Um robô qualquer, numa manhã qualquer, pode derrubar a página e já era. O poder da comunicação de massa está na mão de pouquíssimas figuras, das quais raríssimas estão a serviço da informação veraz. É uma batalha ainda mais desigual do que a que travávamos antes do advento das plataformas. 

Vida dura! Mas, seguimos, resistindo. 


quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Abandono do Essencial



Tenho por hábito olhar as páginas dos sindicatos, até porque tenho um programa de rádio e hoje a turma parece que só se comunica pelas redes sociais.... Fico estarrecida em ver que praticamente nenhum tem discutido seriamente a Reforma Administrativa que está por vir. Ontem, recebi uma mensagem do meu sindicato, o Sintufsc, chamando para um ato no centro da cidade. Um chamado protocolar, um dia antes, sem que a gente possa se organizar. Creio que atos são importantes, mas antes de qualquer um deles é preciso explicar para os trabalhadores o que está por vir com a Reforma. Afinal, é quase certo que ela passe, dada a configuração do Congresso nacional.

O projeto de Reforma Administrativa data de 2020, não é do Lula, mas certamente que o governo vai apoiar. O ministro da Fazenda já falou sobre isso. Todos usam o argumento de que é preciso modernizar o serviço público. Então, se até os do governo são à favor, qual a nossa chance em barrar isso? Sem compreensão do que é essa reforma e sem ação na vida real, creio que a chance é bem pequena.

A reforma retoma velhas ideias de Bresser Pereira, que já queria fazer isso lá no governo de FHC. Só que naquele tempo, a gente estava em luta, na rua, e conseguiu barrar. A grosso modo, o projeto acaba com a carreira do servidor público. Prioriza os que estão em "cargos típicos de Estado" e os demais joga na lata do lixo. Nós, das universidades, por exemplo, não estamos nessa categoria de "típicos". Com a reforma, a estabilidade só será dada aos "típicos de Estado", uma perda grandiosa, porque deixa o trabalhar público a mercê da política.

Outra coisa que o projeto define é o trabalhador temporário, que poderá ser contratado em caso de greve, por exemplo. Desejo antigo dos governantes, mesmo os ditos de esquerda. Vai permitir também que as instituições públicas compartilhem estrutura física e pessoal com entidades privadas, em parcerias (?). Aponta novas regras na previdência e muitos mais. É um verdadeiro massacre dos direitos dos trabalhadores.

Então, há que esmiuçar isso, detalhar cada ponto, discutir com os trabalhadores público e também com os demais, que não são públicos, porque lá na ponta ele é atingido também. Limitar o servidor público é apostar no atendimento privado, o que significa prejuízo em todos os espaços públicos.

Enfim, essa deveria ser a luta mais importantes dos trabalhadores no momento,. Mas, o que se vê é uma turma lacrando nas redes com posts anti-fascistas ou anti-bozistas. A vida real nos engolindo, a vida real nos engolindo... As nossas redes deviam inundar o espectro e os trabalhadores deveriam estar no cangote dos deputados... Mas, qual!



sexta-feira, 8 de agosto de 2025

A materialidade da vida


Quando várias entidades de jornalismo e de comunicação começaram a defender a tributação dos big datas ou mesmo a regularização das mesmas, tratei de alertar para uma coisa básica: estas empresas, absurdamente gigantes, não têm qualquer compromisso com a verdade ou com o respeito à informação veraz. São grandes negócios que buscam apenas o lucro. Taxá-las ou regulamentá-las não resolverá, no mais mínimo, o problema que representam, de serem oligopólios mundiais. Claro que a crítica ficou no vazio, ou ignorada ou criticada com as fórmulas remoídas: ah, esse povo do contra... Tudo isso porque a ação das Big Datas se dá em cima de pessoas comuns, gente sem grande destaque. Mas, quando algum influencer – seja lá o que isso seja – é atacado, as entidades se mobilizam para criticar a ação das plataformas. Insisto: não há saída enquanto formos dependentes destas plataformas. Não há nada a fazer. Quando eles quiserem apagar nossas páginas, o farão. Quando quiserem nos calar por um dia, dois, um mês, um ano, o farão. Eles são os proprietários do negócio. 

Lembro quando Hugo Chávez iniciou sua batalha pela soberania comunicacional, buscando produzir satélites venezuelanos para garantir a comunicação e pensar outras formas de colocar a Venezuela no caminho de uma autonomia nesse campo, todo mundo o chamava de louco, de censor, e de tudo mais... Mas, o que ele queria era justamente isso: não deixar o povo venezuelano refém desses empresários que dominam a comunicação no mundo. Infelizmente não conseguiu avançar, sempre acossado pelo império.

A tecnologia está aí, ao alcance da mão. Porque não temos nossas próprias plataformas? Por que não buscamos uma soberania comunicacional? Este é o ponto. 

Podemos fazer campanhas pela volta dos perfis bloqueados, e eles voltarão... Só que também serão tirados do ar de novo, e de novo e de novo.. porque essas plataformas não são controladas por nós... 

Essa lógica de luta pela humanização do capital é realmente cansativa. Quando retomaremos a luta mesmo? 



quarta-feira, 9 de julho de 2025

O futebol que não é mais


Eu lembro quando eu era louca pelas corridas de Fórmula 1. E atentem, sou do tempo do Emerson Fittipaldi. Era um tempo de grandes pilotos tais como o James Hunt, o Ronnie Peterson, Niki Lauda, o próprio Emerson, depois Piquet. Enfim, era um tempo em que o carro contava, mas o piloto fazia a diferença. Pois chegamos a ganhar com o nosso Coopersucar. Então valia a pena acordar cedo para ver uma corrida, porque tudo podia acontecer. Depois, quando a tecnologia passou a ditar os resultados, deixei de ver. Porque, afinal, não precisava nem saber o nome do piloto. Ou era a McLaren ou a Ferrari as que iriam vencer. Estava dado. 

O mesmo parece estar acontecendo com o futebol e essa tal Copa do Mundo dos Clubes mostrou claramente. O lance não é mais o futebol em si, mas a grana que pode comprar o que há de melhor no mundo. Veja o caso do Chelsea. Os caras compram jogadores de todo o planeta, basta o guri se destacar, chegando a ter jogadores que nem usam, só para concentrar o “pé-de-obra” (expressão criada por Nilso Ouriques). E assim fazem também alguns outros grandes times europeus. Então, o que faz a diferença em campo nem é o futebol, mas o dinheiro que conseguiu comprar o craque. Ou seja, o futebol é sequestrado pela grana. 

Dito isso, a parada que fica clara é que o futebol brasileiro não está em queda nem perdeu a qualidade. Ele apenas não consegue acompanhar os times ricos. O Fluminense ontem jogou valente, mas enfrentou os melhores do mundo. O time dos ingleses quase nem tem ingleses. E, como ironia maior, foi derrotado por um guri criado nos seus gramados. 

Definitivamente fica bem difícil a gente torcer e vibrar num campeonato no qual a gente já sabe de antemão que só um milagre pode fazer com que os times endinheirados não sejam os campeões. E milagres não acontecem assim... 

Eu um dia abandonei as corridas... Ontem abandonei o futebol. Essa porra do capitalismo é uma mão podre... Acaba com todas as nossas alegrias...

sexta-feira, 4 de julho de 2025

A banalidade do mal

A morte em Manaus, durante a Covid. Imagem: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real

Nos anos 1960, quando Ana Arent acompanhou o julgamento de Otto Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do holocausto que vitimou judeus, ciganos e comunistas na Alemanha nazista, ela cunhou essa expressão de “a banalidade do mal”. Escrevendo para um jornal estadunidense ela fez o perfil do criminoso. Segundo Ana, não havia em Otto Adolf nenhum histórico sobre ser antissemita ou ser um psicopata. Não. Era um alemão comum que cumpria ordens superiores sem questionar, crescendo unicamente na carreira e se dando bem na vida. Mandava para a câmara de gás homens, mulheres, velhos e crianças sem qualquer sentimento de bem ou mal. Seguiu uma lógica burocrática estabelecida desde o topo até o ponto final. 

Não se discute o tema do mal e aponta que ele pode emergir a qualquer momento, desde que haja espaço para crescer. Avalia também que o mal não é uma categoria metafísica, religiosa: ele é político e histórico. É produzido por pessoas comuns em razão de uma escolha política. E, desde aí, a banalização da violência, do ódio, corresponde a um vazio de pensamento aonde o mal se instala e passa a comandar. 

Ana Arent escreveu sobre isso a partir da constatação dos horrores dos nazistas provocados nos anos 1940. Mas, e hoje, o que pode caracterizar esse momento no qual, de novo, podemos ver a face do mal tão abertamente nas redes sociais? 

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de compreensão sobre as coisas do mundo pode visualizar esse mal, essa onda assustadora de vazio humano. Podemos falar do genocídio palestino. Há mais de um ano o estado de Israel bombardeia Gaza, matando gente sem dó, explodindo escolas, hospitais, zonas de refugiados. E as postagens nas redes sociais, tanto dos sionistas quanto de gente comum, são de arrepiar. Festejam, riem das crianças mutiladas, fazem piadas com as cenas de absurda dor. E a vida segue, sem que os que têm poder ajam. 

No Brasil vivemos a experiência do governo de Jair Bolsonaro. Durante uma pandemia, com gente morrendo como mosca, o então presidente fazia piadinhas, ria das pessoas sufocando nos hospitais, dizia que não era coveiro para dar conta dos mortos. E, por todo o país, senhorinhas simpáticas o idolatravam e riam com ele. Pessoas comuns, nossas tias, mães, avós, nossos vizinhos. O mal escancarando os dentes. E ainda hoje isso se expressa nas redes sociais sem pejo. O cara segue sendo chamado de mito.

Na Argentina, um cara com um programa que promete fechar universidades, hospitais, acabar com as políticas públicas, entregar o país, foi eleito por ampla maioria, com as pessoas gritando em delírio quando ele dizia que iria acabar com os comunistas em nome da liberdade. A liberdade de uma pequena fração da classe dominante do seu país. E lá embaixo, o povo, que iria se lascar com essas promessas, aplaudindo e celebrando. 

Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele prendeu milhares de pessoas acusadas de criminosas. Prisões enormes foram erguidas e o povo aplaudindo. É fato que ele conseguiu destruir parte das famosas “maras”, bandas criminosas que assolavam o país. Mas, para além das maras agora ele vai trancafiar qualquer pessoa que o critique. A mão dura do poder chegando a qualquer um. E as gentes em festa. Seu modo de governar virou exemplo. E há outros presidentes copiando seus métodos. Ninguém chama isso de ditadura ou governo autoritário. Bukele é amigo do rei. 

E o rei, que são os Estados Unidos, o que faz? Governa de maneira absolutamente totalitária, fazendo coisas jamais pensadas. Ameaça universidades, manda prender estudantes que criticam seu governo, organiza uma caçada humana com os imigrantes, deportando cada um e cada uma que encontra, separando famílias. Um horror indescritível que não aparece na televisão. Mas, mesmo que pareçasse provavelmente não provocaria estupor. Como se vê nas redes, há uma multidão de gente aplaudindo e aprovando os horrores, como se nada. Tampouco se ouve falar que Donal Trump seja um louco, ou um ditador. Não! Nadinha. Fosse Nicolás Maduro que começou a prender gente, aí sim, teríamos o mundo inteiro protestando. 

O fato é que com esses seres nefastos e maléficos nada passa. Pelo contrário, quanto mais mal provocam, mais são incensados ​​e aplaudidos. A banalidade do mal. 

E não precisa ir muito longe. No cotidiano de nossas cidades pacatas esse vazio humano que gera o mal também vai se espalhando e se expressa no cara que mata o outro porque lhe cortou a frente do carro, no marido que mata a mulher que não o quer mais, no vizinho que joga veneno no quintal do outro para matar seus cachorros que latem demais. A hera venenosa vai se reproduzir e invadir todos os lugares. As pessoas não sentem nenhum prurido em fazer comentários maldosos nas postagens das redes. Tudo é permitido na banalidade do mal. E destruir o outro virou moda.

Karl Marx já disse em seus escritos de Paris que o capitalismo destruiria de tal maneira as pessoas com sua lógica de exploração, que o gênero humano seria esfacelado. Falou sobre isso há 200 anos. E agora está. Pessoas comuns, que apenas querem dar bem na vida, atuando como monstros. Uns estão bem visíveis na televisão, na tela do celular, outros estão do nosso lado na mesa do restaurante, no ônibus e até dentro da nossa casa. Tomados pelo vazio que o capitalismo gera, na busca desesperada pela vida, aliam-se ao mal.

O que fazer diante disso? É cada vez mais difícil encontrar uma resposta. Transformadas em zumbis, tal como anunciam os filmes apocalípticos, os tomados pelo mal avançam. O único que sei é que há que lutar contra isso. Há que agir na solidariedade, no amor, no cuidado, na bem-querença. Mesmo que pareça pueril e inútil. Esta é uma boa hora de seguir o conselho da mãe: não é porque todo mundo vai, que você também irá. Naqueles tempos do nazismo houve quem resistiu e perdeu. E venceram.

Nós também teremos de vencer botando abaixo do capitalismo, a cabeça do mal.